quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Agnosticismo

a fortiori, Tudo se resolve.
Posto num esquema liso prato.

Assim pronto, nasce outro.
Questão de ser.

Somam-se teorias,
sobre trabalhar,
sobre não fazer.

Alteridade disfarçada engana,
até mesmo paixão forte, motivo
dos desmotivos.


Resposta é que não
se diz inteiro.

Piano lento que inquiete,
grito que acalme.

Por tudo, o sonho apaixonado
ainda vale. Não vendido ao
descrente e desventurado.

Sermos ser, não obedece
sermão. O que sobra é paixão,
chamada as vezes de sublevação.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

* sou

A infinita indefinição das coisas
convence o que é você.

Por assim saber
verte a solução silenciosa.

Todos os sorrisos, olhares.
O que está ainda não perde
a incoerência  que me faz feliz.

E feliz vou sendo,
enquanto encontrar em você
A loucura de nós,
amizade que elucida o que sou.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

- Carlos Drummond de Andrade

domingo, 17 de outubro de 2010

Aparição Amorosa

Doce fantasma, porque me visitas
como em outros tempos nossos corpos se visitavam?
Tua transparência roça-me  a pele, convida
a refazermos carícias impraticáveis: ninguém nunca
um beijo recebeu de rosto consumido.

Mas insistes, doçura. Ouço-te a voz,
mesma voz, mesmo timbre,
mesmas leves sílabas,
e aquele mesmo longo arquejo,
em que te esvaías de prazer,
e nosso final descanso de camurça.

Então, convicto,
ouço teu nome, unica parte de ti que não se dissolve
e continua existindo, puro som
Aperto... o que? a massa de ar em que te converteste
e beijo, beijo intensamente nada.

Amado ser destruído, por que voltas
e és tão real assim tão ilusório?
Já nem distingo mais se és sombra
ou sombra sempre foste, e nossa história
invenção de livro soletrado
sob pestanas sonolentas.
Terei um dia conhecido
teu vero corpo como hoje eu o sei
de enlaçar o vapor como se enlaça
uma idéia platônica no espaço.

O desejo perdura em ti que já não és,
querida ausente, a perseguir-me, suave?
Nunca pensei que os mortos
o mesmo ardor tivessem de outros dias
e no-lo transmitissem com chupadas
de fogo acesso e gelo matizados

Tua visita ardente me consola.
Tua visita ardente me desola.
Tua visita, apenas uma esmola.

- Carlos Drummond de Andrade


O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.

- Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sentimental

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Primeiro Reencontro *

A vida pesa o passo;
o passo pesa a vida.

E o peso, que se fosse
[medido,
caberia num sorriso,
[escondido
em só uma prova da
[paixão.

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Sentimental



- Los Hermanos

Almoço Sobre a Relva

Conversamos placidamente
junto da nudez
que pela primeira vez
não nos alucina.

- Carlos Drummond de Andrade


-  Manet

Unidade

As plantas sofrem como nós sofremos.
Porque não sofreriam
se esta é a chave da unidade do mundo?

A flor sofre, tocada
Por mão inconsciente
Há uma queixa abafada
em sua docilidade.

A pedra é sofrimento
paralítico, eterno.

Não temos nós, animais,
sequer o privilégio de sofrer.

- Carlos Drummond de Andrade

Re-trato *

Que a partir de agora tenhamos um trato,
Teu coração não palpita sem meu ar
E meu mar não revolta sem teu olhar:

Até que outro assim.

Risco Final *

Que caia a chuva
A tempestade
Que o céu derrame
E que o céu encharque

Trazendo com a água
A essência da turbulência
Do drama, da paixão

Que rolem as lágrimas
De quem ainda sabe o que é amar:

Viver.